sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

                                  NÃO ME LARGUES, JAMAIS!

        Ao meio dia de uma segunda feira me encontrava sentado num restaurante estranho, como havia eu chegado até ali?
Não conseguia me lembrar.

Por algum súbito momento a minha única lembrança era resultado de uma soma das nostalgias pueris com a visão momentânea que presenciava no momento.
          A consequência desta horripilante conclusão causara-me insegurança, languidez, medo, desespero, queria fugir, levantar da cadeira e correr o mais rápido possível rumo ao infinito mesclado de quimeras desejadas! 
No universo do deleite eterno eu gritaria as palavras pagãs de um vocabulário inexistente.
Considerariam-me um louco? Estaria eu causando um distúrbio na estrutura comportamental do meio em que vivia?

-Salut, garçon! un cafe pour moi s'il vous plaît!
-À votre service, monsieur.

        Quando tempo levaria toda essa viagem? 
Quantos filetes de amargura teria eu ainda de carregar na placenta de minha grávida sabedoria?
Eis que os teimosos fios de vento chegam lambendo-me cabelos & pálpebras, outra vez.
Enquanto errante e deliciado com os ventos cortantes alguma voz perdida nos astros sussurrava ao pé do meu ouvido palavras abismais para preencher sofismas sem escrúpulos e consequentemente amordaçar a ingenuidade do meu espírito sem o pudor da virgindade,
deveria eu respondê-las na mesma frequência?
ou no timbre profundamente imensurável que carrego recalcado nas atrofiadas cordas vocais? 

De repente percebi que todos me olhavam, vorazes, com a cólera nos olhos.
Havia eu dito tudo aquilo?
Não estaria apenas pensando?
Peguei o jornal o mais rápido possível para tampar o rosto e disfarçar toda a vergonha que sentia enquanto os olhares direcionados à mim pesavam-me a alma.
As notícias no jornal de assassinatos, roubos, violência, corrupção, suicídio, homicídio perfuravam-me a alma e pintavam de fluorescente meu desgosto pela raça humana.
Quantos miseráveis anos ainda durarei nesta penúria visceral?

-C'est ici votre cafe monsieur.
-Merci!

O primeiro gole do café amargo queimou prazerosamente a ponta da língua gasta pelos anos.
Virei-me afim de contemplar a cidade por trás das janelas de vidro e de repente tudo que eu via era meu próprio reflexo!
Por que o maldito reflexo há de transpirar a imagem de minha vida tão brutalmente?
Minh'alma sempre fica tão exposta e sensível quando a questão é fitar meus olhos que senti o medo mais amargo da vida lamber-me o ouvido quando pensei na possibilidade de me encontrar em mim mesmo fitando meus olhos, virei o rosto como num movimento instintivo e animalesco de êxtase existencial na convicção tola de que seria prejudicial ter o gozo de lembrar-me de mim mesmo. Eu tinha medo, não sabia ao certo o porquê, mas tinha muito medo de vasculhar as poeiras de minhas lembranças adolescentes(...)

Minutos (que mais pareciam horas) passaram e depois de muito suor gelado banhando minha curiosidade criei coragem para virar a cabeça e encarar novamente (porém sem medo) a janela e, consequentemente, as janelas de minha alma, 
lancei o olhar mais profundo que podia sobre o báratro de meus olhos e consegui permear as gavetas restritas do meu espírito, lá no fundo, via como num filme a pobre vida de poeta melancólico que me acompanhara até então,
via meu passado recente, 
quando andava pelas ruas de minha cidade carregando a embriaguez nos sentidos e despachando os porquês de minhas palavras somente aos ouvidos das árvores mudas, que sempre se diziam Cúmplices de meus amores escondidos!
Nunca consegui me satisfazer com a ideia de se sentir parte somente daquilo que podia enxergar,
Meus olhos estavam sempre banhados pelas lágrimas da insatisfação física.

Enquanto relembrava tudo isso, a melodia das vicissitudes de seres humanos respirando em conjunto no restaurante arrancava-me no profundo da alma lágrimas azedas e silenciosas.

Terminei meu café e me dei conta de que estava atrasado para o encontro que havia marcado no lado escuro da rua. 
Na verdade estava demasiado atrasado!
Ela já devia estar me esperando a cerca de 15 minutos, fumando provavelmente o seu segundo cigarro.
Lembrei-me daquele rosto de anjo perdido no devaneio de minhas alucinações
e me dei conta de que é ela! 
Ah! O lírio do meu vale perdido em trevas,
Medusa cigana colhendo flores no Éden,
Minha deusa, tenho certeza, é Ela!
aquela que fará despertar a poesia das coisas simples durante o carinho macio e protetor,
a unica donzela que carrega o dom de transmitir, com apenas um suspiro em minha face, toda a paz e benevolência que é precisa para ressuscitar-me o espirito,
é ela que, ao deslizar as mãos sobre meus cabelos
despertará na minha bôca úmida o ingênuo sorriso de quem sente
a volúpia renascer mais brilhante e cheia de si.

Estarei com ela e por fim, salvo!
E enquanto estiver com ela estarei a salvo...
Pois quando nos encontramos dentro de outrém,
quando o afago da mulher amada estiver presente, repousarás seguro e salvo!
Pois nos braços da mulher amada
todo o ciclo do Universo é compreendido 
num simples encaixe de coxas 
e não se tem mais tempo de questionar o sentido da existência 
nem espaço suficiente na cabeça 
para beirar os meandros da loucura.